Não Deixe o Velho Entrar
Quando era criança, eu costumava correr pelos campos, onde o tempo não tinha nome. Ali, eu era eterno. O vento soprava nos cabelos como um sussurro de vida, e as árvores, que carregavam séculos em seus troncos, pareciam rir da minha pressa de crescer. Era uma dança sem peso, sem ontem, sem amanhã. Mas os anos passaram, e agora o velho bate à porta. Não com força, mas com a persistência de um inverno longo.
Ele se infiltra nos dias como uma sombra sorrateira, escondido nas preocupações diárias e nas dores sutis que o corpo insiste em lembrar. Não bate, não pede licença. Apenas chega, às vezes disfarçado de cansaço, outras, vestido de saudade. O velho tenta se instalar, como um hóspede que, uma vez dentro, faz do nosso coração sua morada.
Mas há um segredo que aprendi observando o sol nascer tantas vezes. Ele me ensinou que o velho só entra se a gente permitir. Ele só se torna dono de nossos dias quando deixamos de viver cada instante como quem descobre o mundo pela primeira vez.
“Quantos anos você teria, se não soubesse a data em que nasceu?”
Essa pergunta é um espelho. Ela não reflete as rugas ou os fios prateados, mas a luz que ainda brilha ou se apaga em nossos olhos. Anos atrás, ouvi essa frase de alguém que tinha muito mais tempo marcado no calendário do que eu. Ele sorria como uma criança que acabara de ganhar um presente. Foi ali que percebi: o tempo não é um inimigo, mas um mestre. E o velho, aquele que quer entrar, é apenas um teste.
No fundo, o velho não é uma questão de idade. Ele se manifesta na desistência, na apatia, no medo de errar ou de tentar. Ele chega quando trocamos sonhos por desculpas, quando deixamos o cansaço ser mais alto que o desejo de viver.
Lembro de uma manhã em que decidi que não seria vencido. Saí cedo de casa, o ar ainda fresco da madrugada preenchendo os pulmões. O horizonte estava pintado em tons de laranja, e a cada passo eu dizia para mim mesmo: “Ainda estou aqui.” Era um mantra simples, mas poderoso.
Enquanto caminhava, pensei nas crianças que correm sem destino, inventando mundos onde tudo é possível. Elas não sabem o que é o tempo. Para elas, a vida é eterna porque é presente. Talvez seja isso que precisamos reaprender: viver como se o agora fosse o único momento que temos.
Olhei ao meu redor e vi pessoas tão diferentes de mim, mas tão iguais. Cada uma carregava suas próprias batalhas, seus próprios velhos tentando entrar. Percebi que resistir ao velho não é negar o tempo, mas abraçar o que ele traz de bom: as lições, as histórias, os momentos de contemplação.
Há um ritual que pratico todos os dias agora. Ao fim de cada tarde, brindo ao pôr do sol. Não importa se estou sozinho ou acompanhado, se o dia foi leve ou difícil. Levanto minha taça e agradeço. É uma maneira de dizer ao tempo: “Eu vivi.”
E você? Quando foi a última vez que olhou pela janela e sorriu? Não importa se o vento lá fora está frio ou se a paisagem parece desbotada. O velho não entra pela falta de luz, mas pela ausência de gratidão.
Recusar o velho é um exercício diário. Não é sobre negar a passagem do tempo, mas sobre não permitir que ele apague o brilho da alma. É lembrar que, por mais que os anos tragam suas marcas, cada uma delas é a prova de que estivemos aqui, vivendo, sentindo, amando.
Quando ele bater à porta, não abra. Ao invés disso, saia para ver o sol nascer. Sinta o vento no rosto e lembre-se de que ainda há tanto a descobrir. E se um dia sentir que o velho está perto demais, pergunte a si mesmo: “Quantos anos eu teria, se não soubesse o dia em que nasci?”
Talvez a resposta esteja naquele sorriso que você deixou escondido. E, se assim for, que ele volte, porque viver é isso: resistir ao velho enquanto ainda há luz dentro de nós.
E você? Já olhou pela janela hoje e sentiu o chamado para viver? Não deixe para amanhã. O agora é o momento perfeito para recomeçar.
Aldo Della Monica